sexta-feira, 3 de junho de 2011

UM DISCURSO MEMORÁVEL



Há coisas na vida da gente que nos marcam para sempre. Quando saí de Maringá, em 1983, licenciado em Física pela Universidade Estadual de Maringá, fui fazer o Mestrado na UNICAMP em 1984. Eram os estertores do regime militar que levaria ainda mais alguns anos para findar a trágica história política e social do país. Como amava fotografia (tenho um modesto Prêmio FUJI de fotografia - 2o. lugar), fotografei o movimento das Diretas-Já em São Paulo. Daí até a eleição indireta de Tancredo Neves (mais tarde postarei as fotos) e sua agonia no Hospital das Clínias de SP (estive no sala de conferência do HC ouvindo a trágica notícia dada à Nação pelo então porta-voz, jornalista Britto). Porém, neste processo todo, um fato que me emocionou e que sintetizou estes anos de luta e expectativa foi o discurdo de Ulysses Guimarães na promulgação da nova Constituição. Em homenagem a tudo o que passamos, e também à história de cada um, brasileiro, reproduzo este discurso aqui:

[Em 5 de outubro de 1988, num discurso memorável, Ulysses Guimarães declarou promulgada a nova Carta Constitucional]

“Chegamos! Esperamos a Constituição como o vigia espera a aurora. Bem-aventurados os que chegam. Não nos desencaminhamos na longa marcha, não nos desmoralizamos capitulando ante pressões aliciadoras e comprometedoras, não desertamos, não caímos no caminho.

Introduziu o homem no Estado, fazendo-o credor de direitos e serviços, cobráveis inclusive com o mandado de injunção. Tem substância popular e cristã o título que a consagra: “A Constituição cidadã”

A Federação é a governabilidade. A governabilidade da Nação passa pela governabilidade dos Estados e dos municípios. O desgoverno, filho da penúria de recursos, acende a ira popular, que invade primeiro os paços municipais, arranca as grades dos palácios e acabará chegando à rampa do Palácio do Planalto.

A Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação e sem medo. A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim.

Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria.

Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo.

A moral é o cerne da Pátria. A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam. Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública.

Não é a Constituição perfeita. Se fosse perfeita, seria irreformável.

Ela própria, com humildade e realismo, admite ser emendada, até por maioria mais acessível, dentro de 5 anos. Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os caminhos.

O Estado autoritário prendeu e exilou. A sociedade, com Teotônio Vilela, pela anistia, libertou e repatriou. A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram.

Adeus, meus irmãos. É despedida definitiva, sem o desejo de retorno. Nosso desejo é o da Nação: que este Plenário não abrigue outra Assembléia Nacional Constituinte. Porque, antes da Constituinte, a ditadura já teria trancado as portas desta Casa.

Político, sou caçador de nuvens. Já fui caçado por tempestades. Uma delas, benfazeja, me colocou no topo desta montanha de sonho e de glória. Tive mais do que pedi, cheguei mais longe do que mereço.

Foi a sociedade, mobilizada nos colossais comícios das Diretas-Já, que, pela transição e pela mudança, derrotou o Estado usurpador. Termino com as palavras com que comecei esta fala: a Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja nosso grito:

- Mudar para vencer! Muda, Brasil! “

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